RAPHAEL ESCOBAR.
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Mostra dos selecionados da 21ª Mostra de Arte da Juventude
Por Marcelo Amorim


​“Senti uma afinidade imediata com os Ramones. Curti-os no ato sem restrições. Eles eram simplesmente do jeito que sempre tinham sido(...). Todas as cancões deles duravam dois minutos, e perguntei pra eles os nomes de todas elas. Eles tinham umas cinco ou seis naquele tempo: I Don’t Wanna Go Down in the Basement (Não quero descer no porão), I Don’t Wanna Walk Around with You (Não quero andar com você por aí), I Don’t Wanna Be Learned (Não quero ser ensinado), I Don’t Wanna Be Tamed (Não quero ser amansado) e I Don’t Wanna (Não quero) alguma outra coisa. E Dee Dee disse: A gente não escreveu uma canção positiva até Now I Wanna Snif Some Glue (Agora quero cheirar uma cola). Eles eram perfeitos, sabe?” 


Richard Hell (poeta, escritor, ator. Ex-baixista e cantor da banda Television) em 
“Mate-me por favor: uma história sem censura do punk” de Legs McNeil e Gilliam McCain


Os três jovens artistas que aqui se apresentam, Alfredo Maffei, Milena Edelstein e Rafael Escobar, foram selecionados pelo 21º Salão de Arte da Juventude para apresentar exposições individuais. Mas arrisco a dizer que encontro algo em comum em cada uma das produções. Percebo nelas uma espécie de negação. Eles parecem querer dirigir nossos olhares para pontos cegos. Podem remeter à uma operação que ocorre antes e que não pode ser vista ou comprovada. Encorajam nossa imaginação à completar o desenho. Todos estes trabalhos contam com a nossa inferência e os assuntos surgem e tornam-se nítidos por sua ausência de contornos.

Alfredo Maffei apresenta uma série de fotografias em que registra as intervenções que realiza nos locais ocupados por sem-tetos. O trabalho, que se dá em várias etapas, se inicia com o artista entrando em contato com o morador de rua e coletando suas impressões digitais. Mais tarde ele imprime estas digitais em grande formato e aplica naquele mesmo espaço como um lambe-lambe. O registro fotográfico destas intervenções são impressos em grande escala e serão aplicados diretamente em várias paredes do Sesc Ribeirão Preto. Dentro do espaço expositivo vemos mais uma destas imagens ao lado das impressões digitais coletadas e ouvimos em um headphone suas conversas. O interesse destas fotografias não está na fatura, não me importa sua técnica, composição ou enquadramento, mas a tentativa de entrar em contato com o morador de rua. Nas fotografias, onde os espaços vazios e objetos pessoais dos sem-tetos se apresentam, podemos inferir sobre os donos das impressões digitais que, pelo assombro de nos distinguir dos demais seres humanos, é a medida dos governos para nossa classificação, coleção e arquivamento. Mas é nos objetos vulgares que nossa imaginação se apoia para delinear as personalidades dos ocupantes daqueles espaços. Seu esforço parece conferir valor simbólico ao lixo, que aos nossos olhos passa a ser enxoval, móveis e objetos decorativos. Para então restituir singularidade ao anônimo e invisível morador de rua.

As ruas são o tema de Raphael Escobar, que trabalha deslocando objetos tridimensionais vindos da esfera urbana para investir-lhes outros significados, como em suas esculturas de orelhões de concreto. Em sua exposição o artista adapta um skate para que demarque seu trajeto com tinta, criando assim uma espécie de máquina de desenhar que deixa o rastro de seus percursos. Para chegar nesta máquina ele fez uma série de estudos e testes que podemos ver ao lado do objeto acabado. O desenho que o skate faz registra o gesto e a vontade de problematizar as regras que ordenam nossos trânsitos. O corpo e o movimento estão sempre contidos por placas, avisos sonoros e luminosos, faixas. Aqui em um rasgo de insubmissão, ao invés de obedecer os sinais, cria com seu movimento uma faixa branca de tinta pelas ruas que passa, protagonizando uma espécie de sinalização de trânsito própria e sobreposta às existentes. Será que alguém é capaz de se confundir com estes rastros? Quem vai seguí-los e esquecer de andar na linha?
Um outro tipo de trânsito interessa à Milena Edelstein. A artista tem se apropriado de imagens fotográficas caseiras e interferido nestes originais acrescentando-lhes camadas, seja através do áudio, desenho, pintura ou impressões translúcidas, resultando em narrativas desfuncionais. Para sua individual a artista preparou uma vídeoinstalação onde mescla o vídeo de uma viagem que realizou com o áudio de filmes que se passam em estradas.  Fotografias de paisagens de estradas são impressas em papel vegetal e sobrepostas formam um horizonte. A artista parece querer dissolver o suporte da foto e depurar a ideia de viagem. Viagem como exercício de liberdade. Mas já não foram feitas todas as viagens e todas as estradas abertas? É possível ser beatnik no mundo do gps? Quando impõe o áudio de dezenas de filmes que se passam em estradas, os chamados road movies, parece apontar para todas as viagens que fazemos por tabela, ou mediados por câmeras. Afinal entre o turista ou explorador e o lugar sempre existe uma lente. Todas as impressões do turismo e o consumo de paisagens idealizadas se dão através da foto e do vídeo.  A sobreposição de camadas nega a visão original e cria uma paisagem a partir da imprecisão de outras tantas, formulando seu próprio horizonte, registrando a outra viagem que a máquina não captura. 
Antes de uma produção artística se afirmar, ela tenha que se opor. De modo geral, os jovens não sabem bem o que querem mas sabem muito bem o que não querem. Negar é também afirmar e depois das vanguardas históricas, romper torna-se quase uma tradição. É curioso acompanhar através desta exposição esta inquietação que se dá entre o jovem artista e o seu tempo. Segundo Tom Wolf em “A palavra pintada”, a entrada do artista no sistema da arte é como a dança apache onde a mulher indígena afronta o parceiro antes de se entregar. Antes de ser absorvido como cultura, o artista é exceção. Talvez por isso é sempre interessante observar os artistas enquanto iniciam.


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