O Inegociável em Raphael Escobar
por Isabella Rjeille A vida nas cidades pressupõe negociação – entre o individual e o coletivo, entre o público e o privado, entre eu e o outro. Estas negociações são mediadas, tanto pelo capital financeiro, que sobrepõe interesses privados sobre públicos (ou os molda) – quanto por uma história marcada por um imaginário colonial, opressor, excludente. É nesta zona de negociação que Raphael Escobar atua. Sua produção é informada pelas experiências de vida e trabalho nestas zonas – seja como professor de educação não formal com jovens privados de liberdade na Fundação Casa, ou desenvolvendo oficinas na região da Cracolândia, ambos em São Paulo. Escobar está interessado nas subjetividades que emergem neste processo de negociação e as formas criadas para resistir e existir em meio a processos de apagamento, supressão de liberdade e controle. Por vezes em atos de transgressão, por vezes em apropriações, Escobar utiliza-se de uma linguagem própria ao cotidiano das cidades – como placas, bandeiras, a arquitetura, as sinalizações de rua, os mobiliários urbanos – para criar inserções que revelam certa estrutura e vocabulário utilizados pelo Estado para mediar estas negociações. Ao expor estas estruturas, o artista propõe uma retomada desta linguagem pelas pessoas, explorando suas brechas. Tratam-se de alterações nos rápidos fluxos da metrópole, inserções de outras linhas em meio às faixas de trânsito, uma apropriação deste sistema para criação de outro. Ao utilizar-se desta linguagem própria a vida nas cidades, seus trabalhos integram-se a ela e voltam-se ao que há de inegociável no cotidiano das relações urbanas. Trata-se de certa investida rumo ao ilegal, ao considerado “vandalismo”, às formas de resistência em meio a precariedade, ao apagamento, a exclusão e à diminuição de direitos e liberdades: a tinta que revela outra possibilidade de inscrição em meio a linguagem pré-estabelecida; as técnicas inventadas pelos usuários de crack para minimizar os danos causados pelo consumo da droga; ou a parafernália elaborada por presos para produção de Maria Louca (cachaça artesanal ilegalmente produzida nos presídios de São Paulo). O artista ocupa, justamente, este meio de campo – como explica em um diagrama de mesmo nome. Seus trabalhos transitam num fluxo que vai e volta dos sistemas de símbolos da arte para o sistema de símbolos da “multidão”, passando pelo lugar comum aos dois: a cidade. Por vezes, seu trabalho é invisível, assim como o trabalho do contrabandista, que cria um circuito paralelo de trocas dentro de um circuito estabelecido, borrando fronteiras entre um lugar e outro, misturando informações e promovendo encontros. Desta forma, em meio a este trânsito, a produção de Raphael Escobar desvela as regras e a linguagem de um sistema de negociações, apontando para práticas de resistência e re-invenção de um cotidiano inegociável, tão presente nas cidades. |
The non-negotiable in Raphael Escobar
by Isabella Rjeille Life in the cities requires negotiation - between the individual and the collective, between the public and the private, between the self and the other. These negotiations are mediated both by finance capital, which sometimes supersedes private interests over public’s (or molds them) - and by History, in the case of Brazil, marked by a colonial imaginary, oppressive and exclusionary. It is in this negotiation zone that Raphael Escobar works. His production is informed by the experiences of life and work in these areas - whether as a teacher of non-formal education with young people deprived of liberty in the underaged detention house Fundação Casa, or developing workshops in the area of Cracolândia , both in São Paulo. Escobar is interested in subjectivities that emerge fromthis negotiation process and the invention of ways to resist and exist amid erasure procedures, suppression of freedom and social control. Sometimes in acts of transgression, Escobar uses and appropriates the language of the n the cities - such as street signs flags, architecture, the street furniture - to create inserts that reveal certain structure and vocabulary used by the State to mediate these negotiations. By exposing these structures, the artist exploits its gaps and proposes that people take over this language. These acts are such as changes in the fast flow of the metropolis, inserts of other lines in the midst of traffic lanes – an appropriation of this system for creating another one. When using this particular language of the cities, his works integrate to it and turn to what’s non-negotiable in the daily urban relations. It is certain investment towards the illegal, to the so-called “vandalism”, and to the forms of resistance amid the precariousness, erasure and exclusionary process and also, the reduction of rights and freedoms: the spray ink that reveals another possibility of inscription within the pre-established language; the techniques invented by crack addicts to minimize the damage caused by drug use; or the paraphernalia invented by prisoners for the production of Maria Louca (cachaça produced illegally in the prisons of São Paulo). The artist occupies, precisely, this middle ground - as explained in a diagram of the same name. His works transit in a flow that goes and comes back around the system of art symbols to the system of symbols of the”crowd”, through a common place to both: the city. Sometimes his work is invisible, like the work of asmuggler, which creates a parallel circuit of exchanges within a given circuit, blurring boundaries between one place and another, mixing information and promoting unexpected encounters. Thus, in the midst of this transit, Raphael Escobar’s works unveils the rules and language of a system of negotiations, pointing to practices of resistance and re-invention of a non-negotiable everyday. |