RAPHAEL ESCOBAR.
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Talvez…
Por Raphael Escobar

No dia 21 de setembro de 2021 fui ao CIC Oeste (Centro de Integração da Cidadania) ter a primeira aula com a molecada que presta medida socioeducativa. A nossa ideia era simples: criar uma música que contasse a história de vida dos meninos. 

Eles já compõem, tem até nome de artistas: GH da Capital, DJ Monstrinho, MC MW, João e Mc Mg da SP.

Todos muito empolgados, nos encontramos na quadra do CIC, montamos uma mesa e eu entreguei para cada um deles um tablet, que seria o nosso principal material de trabalho/estudo. Pedi para que todos ligassem e fizessem suas contas de e-mail no Google, baixassem o ZOOM, o Bandlab, o WhatsApp e o Netflix. Alguns já tinham intimidade com o equipamento, outros não. Afinal, tecnologia é uma bosta, não é fácil de lidar.

Todos baixaram os aplicativos e minimamente entenderam qual seria o flow da coisa. Nossas aulas teriam de 1:30 a 2 horas de duração, e o complemento seriam filmes e séries do Netflix que contam as histórias do Rap e seus artistas.

Saímos do CIC e fomos fumar um cigarro juntos, conversar da vida e das nossas histórias. 

  • Ninguém tem bic.

O GH atravessa a avenida ao encontro de uma moça de 30 e poucos anos de idade, branca, que fumava um cigarro e lhe pede um isqueiro.

Quando o GH volta ele fala “Carai, a mulher ficou com medo de mim, o polícia me olhou, eu quase fui enquadrado só por pedir um isqueiro”. O Monstro fala “É porque nois é preto, anda nos kit e é tudo tatuado, a sociedade não aceita nois”.

Naquele ponto, começamos a conversar sobre nossas histórias, nossas passagens pela polícia, nossas tatuagens. E começamos a falar do racismo e da quebrada.

  • Bom molecada, o papo tá bom, mas vou ter que vazar, semana que vem tamo junto!.

-Talvez a história do Hip Hop possa ser importante para esses meninos-

Na aula seguinte, preferi deixar um pouco de lado questões técnicas do Rap (samples, batida, etc.) e fazer o que eu sei fazer de melhor: contar causos. Contei de um lugar nos Estados Unidos chamado Bronxs, uma quebrada igual à deles, onde a polícia tratava o povo que nem trata eles, e onde as boates não eram para pessoas de quebrada, que nem alguns lugares por aqui.

Contei que, naquele momento, um cara jamaicano chamado DJ Kool Herc começou a pensar umas festas para os seus. Nessas festas as músicas eram tocadas pelo dj e as pessoas podiam improvisar no microfone. 

  • Assim começaram a surgir as festas de Hip Hop!

Contei que houve um cara que uniu a quebrada afirmando suas origens, Afrika Bambaata - não é à toa que seu nome artístico já fala sobre a diáspora - juntando os seus sons em torno dos de Zulu Nation, e aquilo era revolucionário.

A união dos nossos criou uma revolução cultural. O Hip Hop é o som de preto e de favelado. E é um puta som! A cada nome que era citado, uma música era apreciada!

Essa história tem swing, disciplina e quebra paradigmas

-Talvez a história do rap possa ser importante para esses meninos!-
 
Para complementar a aula, os meninos assistiram The Get Down, uma história fictícia de 3 garotos que presenciaram o surgimento de todo esse movimento cultural! Quando chegou a próxima aula - todos muito vibrantes querendo contar tudo que aprenderam - o João foi contando capítulo por capítulo dessa série.

-Não é tarefa de casa, é identificação plena.-

Agora, cabia a mim explicar como essa história chegou ao Brasil.

Essa história eu gosto bastante, aprendi ela do mesmo jeito que ensinei para os meninos. Mas a diferença é que quem me ensinou essas histórias viveu a São Bento nos anos 80. Tive a honra de me sentir pegando o bastão do Andrézinho do Backspin Crew, ou do Bboy Congelado.

Saudoso Metrô São Bento, berço do Hip Hop em São Paulo!

Ainda contar o que veio depois: Thaíde e DJ Hum, 509-e, RZO, Pavilhão 9, o mestre do Canão, e lógico, os 4 pretos mais perigosos do Brasil - Racionais MC’S. O Racionais MC’S é um capítulo à parte na história do Rap. Um cara chamado Milton Salles foi o “culpado” de juntar duas duplas de rap, uma da Norte e uma da Sul. Fez eles estudarem política e música. Racionais vem de Racional do Tim Maia. Fez eles lerem a biografia do Malcom X. Não é à toa que eles são os 4 pretos mais perigosos do Brasil. É o poder do rap aliado com uma base bem feita.

-Talvez a história dos direitos civis possa ser importante para esses meninos!-

Neste momento, não teve como fugir: “Vamos ver o filme dos Panteras Negras!”. Não, não o filme do Super Herói (que aliás é um baita filme), mas o filme do movimento social, e o por quê surge um movimento para lutar pelos próprios direitos. “Cê é loko professor, os polícia era do mal..”
  • Ainda são.
O filme termina contando da chegada do crack na quebrada, como uma estratégia de destruir a resistência. A verdade é que a guerra às drogas foi a maior invenção do homem branco para acabar com a resistência. “Os brancos inventaram o Tráfico, é o tráfico negreiro que trouxe os meus antepassados para aqui” disse o Dj Monstrinho.

  • Ele estava certo.

Conversamos muito sobre a opressão do Estado, sobre racismo e sobre a luta de classes. O GH da Capital falou “Na nossa música eu quero falar mal do Bolsonaro” l

-Talvez a história do funk possa ser importante para esses meninos!-

“Agora é hora de falar do que vocês mais gostam, vamos falar de FUNK!”
Os meninos piraram ao ouvir a história desse movimento, de DJ Marlboro a Claudinho e Buchecha, de Tati Quebra Barraco a MC Bin Laden. 

  • E o DJ Rennan da Penha?
  • Ahhh o DJ Rennan da Penha!

O DJ Rennan da Penha foi preso por associação ao tráfico, simplesmente por fazer um dos maiores bailes do mundo: O Baile da Gaiola. 

  • O DJ Alok não seria preso, ele é branco e é playboy-

  • Eles criminalizam a música da quebrada”, falou o MW..

  • é MW... eles criminalizam tudo que vem da quebrada-

Tudo que o Funk vive hoje, o Rap viveu há 20 anos atrás, e o samba há 40 anos atrás….


  • É som de preto, de favelado, mas quando toca ninguém fica parado-


Voltando ao DJ Rennan da Penha, ele foi liberado por um tipo de liminar que, por exemplo, liberou também o ex- Presidente Lula - outra figura discutida por nós, por ajudar na ascensão do Funk Ostentação, já que graças a sua política econômica, a quebrada virou consumidora (entre criticas e elogios, a favela tem Oakley agora). O show de retorno de Rennan da Penha foi catártico.

  • Eu queria ter ido-

Ele começa com recortes de jornal:

“Ritmo original da favela, o funk acumula problemas de segurança”;
“Polícia militar faz operação contra bailes funk em comunidades ”;
“Bailes funk na favela de paraisópolis são casos de abuso policial”;
ressaltando “NA FAVELA”.

Sua introdução deixa claro que a criminalização não é ao funk, é a quebrada.

-Talvez a história de Carolina possa ser importante para esses meninos!-

Depois disso tudo, fomos conhecer a história de Carolina Maria de Jesus. Marcamos de nos encontrar no vão do MASP, eu cheguei e eles já estavam me esperando, bravos. Um homem de terno, provavelmente branco filmou eles com medo que fizessem algo. “é sempre assim professor, é vir pro centro que nos olham estranho”. Fomos até ao IMS conversar sobre a situação, mas eu sabia que conhecer Carolina seria importante até para processarem aquele momento.

  • Mulher preta, de quebrada, e escritora.

Quando chegaram à exposição, João leu tudo o que o Bispo do Rosário escreveu em seu manto: "Ele não era louco!”, o Matheus filmou tudo, o GH da capital se sentiu representado depois da situação que passaram, e o Miguel, estava em um péssimo dia. Ter filho é foda… como paga as contas? mas dele veio a frase: “Conheci Carolina Maria de Jesus, ela tem a mesma história que eu e ela venceu, eu também vou vencer!” A Carolina era a identificação máxima que eles precisavam, e a partir dela a gente foi pensar o que seria da letra da música que faríamos.

-Talvez a história política possa ser importante para esses meninos!-

  • Vocês sabem o que foi a ditadura militar?

“Ah, não sei direito, mas sei que era uma época que os militares mataram muita gente”
“E não matam ainda?” 

  • É verdade MG, cresci ouvindo que Deus cria e a ROTA mata.

Contei para eles o que era a Ditadura Militar, o que era o Esquadrão da Morte (que basicamente é a unidade precursora da ROTA), e contei que houve muita luta até o fim desses tempos. 

-Talvez a história do Marighella possa ser importante para esses meninos!-

Nos anos 90 o rap expressava a violência da quebrada que era o reflexo da Ditadura ainda existindo. 

O Massacre do Carandiru é a prova viva disso
Nos anos 2000, muita coisa melhorou, mas longe de estar bom…
Aliás, em 2021 vemos que nenhum dos nossos direitos está garantido

  • Bolsonaro é filhote da Ditadura.

"Eu não tenho bolsa família por causa do filho da puta do Bolsonaro, quero falar mal dele!”, disse o GH
“Ele é só um governante escroto, virão outros, precisamos falar do governo como um todo”, disse o Monstrinho

  • É isso tudo.
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